Capa
A sinagoga dos iconoclastas
descrição
Escritor excêntrico e cultuado, amigo de Jorge Luís Borges e Adolfo Bioy Casares, o argentino J. Rodolfo Wilcock apresenta neste livro uma singular galeria de retratos: as vidas imaginárias de 36 personagens. São teóricos, utopistas, sábios, inventores, dicionaristas, escritores – todos eles abnegados heróis do absurdo.
Não por acaso, tais personagens, para justificar o despropósito de suas ações, apoiam-se nas mais sólidas bases da ciência e de disciplinas apresentadas com rigoroso estratagema. Ou, ao menos, estão impulsionados pela fé mais abstrata e ingênua. Mesmo que alguns argumentos beirem a demência são confundidos com a mais pura genialidade. Nada muito diferente do que pode acorrer no chamado mundo normal.
No livro de Wilcock, no entanto, essas vidas monstruosas são resgatadas do esquecimento da História. Viajando através das épocas e dos cantos mais remotos do mundo – há inclusive uma passagem localizada numa fazenda nos arredores de Belém do Pará –, encontramos, entre outras não menos extravagantes, as seguintes figuras:
Jules Flamart: autor de um romance-dicionário, La langue en action, em que cada verbete apresenta breves passagens narrativas concatenadas de modo que o leitor não só aprenda o uso correto das palavras como também se divirta.
Aaron Rosenblum: um utopista cujo plano, exposto no livro Atrás da felicidade, era transportar o mundo de volta ao ano de 1580, e dessa maneira abolir o carvão, o petróleo, os carros, as estradas asfaltadas, a luz elétrica, os jornais, os aviões, o gás, o voto, os papagaios, os Estados Unidos etc. etc. etc.
Roger Babson: fundador, em New Hampshire, da Fundação para a Pesquisa sobre a Gravidade, por seus detratores considerada a instituição mais inútil do século 20. Seu objetivo declarado era descobrir uma substância capaz de isolar e anular a força da gravidade.
Charles Carroll de Saint Louis: autor de The negro a best e de The tempter of Eve, livros em que tenta provar que o negro foi criado por Deus junto com os animais, tendo o único objetivo de que Adão e seus descendentes não carecessem de garçons, lavadores de pratos e engraxates.
Yves de Lalaude, escritor. Hoje ninguém mais lê os romances dele, o que levanta a suspeita, segundo Wilcock, que daqui a não muito tempo “ninguém mais lerá os romances de ninguém”. Yves de Lalaude era um nome inventado; na realidade, chamava-se Huber Puits, e foi o primeiro produtor de romances (672 no total) em escala verdadeiramente industrial.
A partir desses exemplos de A sinagoga dos iconoclastas, compreende-se por que o escritor Joca Reiners Terron, no posfácio à edição do livro, define a abordagem literária Wilcock como “a plausibilidade existente no grotesco para testar os limites tênues entre a ciência e a loucura através da arte”.
Juan Rodolfo Wilcock foi romancista, contista, poeta, ensaísta, dramaturgo e tradutor (traduziu para o italiano mais de 100 títulos do espanhol, inglês, alemão e francês). Escreveu sua obra quase que inteiramente em italiano, sua língua de adoção, o que o inclui na rica tradição dos escritores de dupla nacionalidade literária como o polonês Joseph Conrad e o russo Vladimir Nabokov (ambos adotaram o inglês) e o irlandês Samuel Beckett (que escreveu seus principais livros em francês).
Publicado originalmente em italiano em 1972, A sinagoga dos iconoclastas evoca as famosas Vidas imaginárias, de Marcel Schwob. Como também “os livros inventados” do seu Borges (sobretudo A história universal da infâmia). Wilcock, contudo, se aproxima dessa tradição – à qual ainda estão filiados livros do cubano G. Cabrera Infante (Vista do amanhecer no trópico) e do chileno Roberto Bolaño (La literatura nazi em América) – com humor e fúria implacáveis.