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Tropeçália
descrição
Se a gente mora num PÁ TROPÍ, ABENÇOÁ POR DÊ e BONÍ POR NATURÊ, a beleza vem mais do nosso tropicar, marcado no improviso da letra de Jorge Ben Jor, do que de qualquer outra coisa. Eis o Brasil dos tropeços, em que o “trópico tropica emaranhado no trambique. A treta frutifica(...)”, como na canção Tristes Trópicos, de Itamar Assumpção. É desses tropeções à brasileira que trata este Tropeçália, de Jéferson Assumção, um romance que também é um disco e que faz parte da trilogia O inferno dos sentidos, iniciada com Berço de Judas (Taverna, 2019).
O êxodo rural dos anos 70 e a formação do ambiente cultural das periferias de Porto Alegre, pedaço mais ao sul mas que também fala dos periféricos de todo o país, são temas que o autor entrelaça e explora para contar a história do guitarrista George. De câmelo em Canoas, cidade da região metropolitana de Porto Alegre, a músico de jazz em Londres, o personagem dá vida aos muitos conflitos de classe, sociais e econômicos tão íntimos aos brasileiros. Em sua jornada de ascensão, tão idealizada por cada filho desta terra, dele se exige que abandone pelo caminho convicções e alguns sonhos da juventude, como a banda que formou com amigos e que dá título ao livro: Tropeçália. Desentendimentos amorosos, amizades que vão se distanciando, ressentimentos nunca verbalizados - depois de relativo sucesso nos anos 90, Tropeçália tropeça em si mesma e acaba.
Acontece que a decisão de encerrar a banda, lá em 1994, pode ter abalado seu irmão, o frágil John, que não teve a mesma sorte de George e, adulto, se vê enredado numa existência amarga, refém do vício em crack.
Bem-sucedido e reconhecido, George precisa decidir se volta a Porto Alegre e refaz a banda, a pedido do produtor Jay Jay, para tentar ajudar o irmão a recuperar algum encanto pela vida ou rejeita a ideia, que lhe parece assustadora, de se deparar com os destinos pequenos, para ele, de seus amigos e ex-companheiros de Tropeçália. O que parece a princípio uma tentativa de resgatar John e lhe dar uma segunda chance se revela, como os sonhos que timidamente mandam mensagens do inconsciente, algo mais: um segredo e um desejo de resolver o que ficou no passado entre George, Lena (baixista e ex-namorada de George) e Deco (baterista).
Tropeçália é uma história de personagens camaleônicos, na qual a distância tornou tudo muito frágil e difícil de se reconectar. Há desconfiança por todos os lados, um desejo e uma admiração que ressurgem, a idade e a vida apagada que os mediocriza e geram os tropeços de quem tenta agora ser o que não pode mais. Mas é ainda um romance sobre um país que, na mesma medida que é um caldeirão fervilhante de ritmos e utopias, destinado a dar certo, também fracassa, sonho após sonho.