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A perda de si: cartas de Antonin Artaud
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A perda de si apresenta cartas selecionadas das Obras completas de Antonin Artaud (1896-1948), grande parte há poucos anos editada na França pela primeira vez e até aqui inédita no Brasil.
Nas palavras da organizadora Ana Kiffer, o conteúdo “convida ao leitor a percorrer através do tempo de uma vida de escrita a escrita da vida” de um poeta muito comentado e pouco lido. O volume, que conta com tradução de Kiffer e Mariana Patrício Fernandes, dá continuidade à coleção Marginália, que revela aspectos menos conhecidos de alguns dos maiores escritores modernos a partir da reunião de cartas, bilhetes, ensaios e artigos. A curadoria está a cargo do jornalista Miguel Conde.
Autor de uma obra repleta de blasfêmias contra o status quo reinante, dos partidos políticos à igreja, Artaud jamais deixou de ter uma aura marginal. O “desconhecimento” de seus textos, no entanto, parece estar diretamente relacionado à vastidão e à variedade de sua obra, composta de 28 volumes de 500 páginas cada um – além de desenhos, filmes, teatro e gravações de rádio. Ainda assim, poucos formatos são capazes de mostrar um Artaud tão completo quanto as cartas. De certo modo, foi por elas que se consagrou autor: quando envia seus poemas ao então editor da Nouvelle Revue Française, Jacques Rivière, este lhe nega a publicação por meio de uma carta. Tal rejeição dá início a uma correspondência muito particular entre um aspirante a escritor e um consagrado “homem de letras” – que descobre nas epístolas daquele jovem um olhar muito preciso sobre o espírito humano.
As cartas a Rivière, escritas em Paris nos anos 1920, abrem o livro com um passeio pelas vanguardas europeias e detalham aquilo que Artaud identifica como sua experiência de “abandono do espírito” – o deslocamento da atividade da escrita para um conjunto de sensações da carne e não mais para a coerência do intelecto. Da mesma época vêm as trocas com Anis Nïn e Alexandra Pecker, que, em sua crueza afetiva, desconstroem o que se consolidou chamar de “correspondência amorosa”. Na década de 1930, durante uma aventura no México, ele explora a questão do teatro e da cultura ao se deparar com a questão do outro em uma aproximação dos povos indígenas do “novo mundo”. Depois, escrevendo aos doutores Latremolière, Dequeker e Ferdière, expõe sua relação com a loucura, enquanto seu contato com André Breton faz com que o leitor possa reavaliar as relações entre modernismo, surrealismo e revolução.
Para Ana Kiffer, as cartas selecionadas compõem “uma travessia sobre uma experiência que ao desfazer linhas divisórias desestabiliza territórios anteriormente delimitados, uma travessia que transborda e, ao transbordar, cria zonas imprevistas entre o dentro e o fora, alargando o próprio espaço-limite como espaço vivível, mesmo quando irrespirável”. Antes de tudo, A perda de si: Cartas de Antonin Artaud é um livro sobre a vida em sua forma mais pulsante.