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Asas
descrição
Texto fundamental na história da literatura queer, Asas é o primeiro romance russo a tratar abertamente da homossexualidade.
Franco e afirmativo, Asas tornou-se um dos textos-chave da história da literatura queer ao apresentar uma narrativa que fala de forma aberta e naturalizada sobre o amor entre homens, algo inédito até então nos romances russos. A obra de Mikhail Kuzmin (1872-1936), com tradução de Francisco de Araújo, foi publicada em 1906 e obteve notoriedade imediata – se por um lado os críticos conservadores rejeitavam sua ousadia, grande parte do público passou a admirar o escritor.
O poeta russo Ivan Sokolov observa no posfácio à edição que “se perdoarmos o anacronismo da terminologia, não será difícil concordar com aqueles estudiosos que consideram Asas o primeiro romance de coming-out do mundo. Não é, decerto, o coming-out [...] como o conhecemos hoje, que se descreve no romance; mas a franqueza de Kuzmin sem dúvida fez dele um pioneiro”. Diferente de outros grandes autores que abordaram o tema – como Oscar Wilde, André Gide e o brasileiro Adolfo Caminha, até de forma bem mais explícita, em Bom crioulo –, Kuzmin está na vanguarda por trazer pela primeira vez uma história de amor gay com final feliz.
Com ares de romance de formação, o enredo tem como protagonista o jovem Ivan Smúrov, ou Vánia, que sai do interior para estudar em São Petersburgo, onde vai morar com a família de um tutor e estabelece uma relação especial com Natália, filha do anfitrião. As cenas se desenvolvem no ambiente da classe alta culta, em que se destaca Stroop, sujeito refinado e muito desenvolto, que não esconde a natureza de sua relação com outros homens e se tornará uma espécie de mentor, ao tempo temido e admirado pelo rapaz. Num meio propício a maledicências, Vánia tenta se afastar do amigo, sem sucesso, enquanto dá início a um novo aprendizado de arte, história e sentimentos. “Livre dos preconceitos da vida tradicional você pode se converter no perfeito homem moderno, se quiser”, lhe diz Stroop.
A narrativa veloz de Asas, feita de cenas curtas e sem subterfúgios, abriga diversos personagens que constroem uma polifonia de ideias e pontos de vista sobre temas como a beleza, a moral e a sensibilidade. Kuzmin era também compositor, e a música, sobretudo a de Richard Wagner, ocupa lugar privilegiado nos diálogos do romance. A Antiguidade Clássica é outra presença importante, com destaque especial para o belo Antínoo, amante do imperador romano Augusto. De resto a filosofia neoplatônica ecoa por todo o livro, de tal forma que a homossexualidade é vista como uma possível determinação divina. “É difícil ir contra o que está posto”, diz uma personagem. “Talvez até seja pecado.”